segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Acidente-se na acidez

Eu gosto do que faz mal. Do que desgasta e revitaliza.
Consome minhas forças, dilacera minha carne, entorpece-me, aniquilando-me pouco a pouco de uma existência enfadonha e tão material.


[...]

Ah, o sangue que jorra...! Seu sabor tornou-se o combustível de uma alma pálida.
Feridas costuradas com ópio, anestesiadas com morfina.

Cicatrizes que não saem.
Estigmas.
[Indolores]






E que me perdoem os românticos

Na salinha de espera
Aguardo com tensão
Se ainda terei a chance
De ganhar teu coração.

Se eu ganhar, se eu ganhar
Esse coração pra mim
[Permitam-me uma hipérbole:]
Meu contentamento não mais terá fim.



segunda-feira, 18 de agosto de 2008

NÃO, EU NÃO PÁRO.

P A R A R Á
P A R A R A R Á
P A R A R Á
P A R A R
P Á R A
P
A
R
E
I
P A R A R Á
P A R A R A R Á
P A R A R Á
P A R A R
P Á R A
[...]

Num lugar qualquer, numa hora qualquer, uma conversa qualquer.

“Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.” (PESSOA, Fernando)


[...]

A: Estranho, você.
B: Eu?
A: Sim.
A: Nunca vi uma pessoa que gasta duas semanas pra comer uma caixa de bombom. Ainda mais mordendo e guardando o restante pra comer depois!
B: Claro, oras! Se eu gostei do bombom, por que comê-lo todo de uma vez? Como um pedaço e embrulho novamente o restante pra comer depois, quando tiver provado outro.
B: Você nunca parou pra se perguntar por que os restaurantes franceses servem porções tão pequenas e que são tão apreciadas? É justamente pro freguês ter mais tempo pra degustar. São pequenas proporções de prazer, como eles dizem.
A: [Risos]. Que nada, eles são é muito espertos, isso sim. Os restaurantes franceses daqui usam esse discurso só pra faturar. Eles imitam o que dizem os chefs franceses e muitos fregueses acreditam.
B: É, pode ser. Mas eu ainda prefiro comer minha caixa de bombom à prestação! E pior é você, que assiste a um filme voltando mil vezes à mesma cena.
A: O que é perfeitamente explicável! Esses filmes de hoje têm um enredo tão acelerado que se a gente perde uma cena, já compromete boa parte.
B: E às vezes até o final do filme.
A: Pois é. Por isso que não vou mais ao cinema. Já gostei muito, mas hoje em dia prefiro baixar meus filmes da Internet ou comprar os “genéricos”. Aí posso voltar e assistir quantas vezes quiser.
A: Gosto de prestar atenção nos detalhes, na expressão dos atores, nas paisagens, na fotografia do filme...
B: Nossa, cê deve gastar umas 3 horas pra assistir a um filme de 2!
A: Até mais do que isso!
B: [Risos]
A: Ah!
B: Hum.
A: Cê ta sabendo do Festival de Cinema que vai ter semana que vem?
B: Claro! Vou na quarta-feira assistir “As Invasões Bárbaras”. Sempre tive vontade de ver! Vou aproveitar que a entrada é livre...
A: Jura que cê vai na quarta? Tava pensando em ir também. Já assisti “As Invasões Bárbaras”, mas foi na casa de um amigo e queria rever umas cenas. O filme é uma pancada. Ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro.
B: Então vamos! Aí você me faz companhia e a gente discute sobre o filme depois. O Festival é por temáticas. E a desse dia é: “A Desconstrução de Ideologias”.
A: Interessante...
B: Pois é. Acho que ideologia é algo que tá sempre em construção e desconstrução.
A: É. A ruptura de um conceito ideológico, quando acontece, cede espaço a outro, por mais que essa dinâmica não seja das mais velozes. Às vezes chega mesmo a ser imperceptível.
B: O importante é conservar os valores.
A: É, e o filme também fala disso.
B: Poxa, queria poder ir num outro dia também. Mas minha semana tá cheia. Ainda tenho que ler Dostoiévski pra apresentar um seminário no final do mês.
A: Humm. Qual livro?
B: Crime e Castigo.
A: Ah, já li. Muito bom. Tenho-o aqui na minha estante. Se você quiser...
B: Eu quero sim! Cê me empresta mesmo?
A: Claro. E tenho certeza que você vai gostar. Levo na quarta-feira. Que horas você vai?
B: Vou pegar a sessão das 18:45, porque tenho aula até 18 horas.
A: Ótimo, esse horário dá pra mim.
B: Tá ok, então. Aí depois a gente toma um cappuccino naquele café ao lado.
A: Isso! Eu adoro o cappuccino de lá.
B: Eu também. Com torta de chocolate então...
A: Ah, nem me fale...
B: Então tá combinado! Agora tenho que ir, senão chego atrasada.
A: Tá certo. A gente se vê na quarta. Tchau, estranha!
B: Tchau,
estranho.

**


Começa com o espanto. O predecessor do conhecimento. E enfim, quando surge o desejo de conhecer, as almas já parecem mais próximas.
Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.





sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Bela e Adormecida


















Em algum lugar escuro
Sem estrelas, sem luar
Onde o sol pede socorro
Implorando p’ra brilhar.

Ali, a Princesa Desalento
Agrilhoada por seus próprios demônios
Castiga-se em um mundo vazio
Por medo de arriscar seus sonhos.

Definhando ante o entardecer, [pacientemente]
Ela contempla os minutos, as horas.
“Mas, por que dentro de ti, consentes
Que enquanto teus lábios sorriem, tu choras?”

Princesa Desalento, Castelo Desencantado.
Sua opção tomou-se por sorte
A luz cega-lhe a vista
Liberdade é sinônimo de morte.